Em 1997, o jornalista e escritor japonês Koushun Takami sofreu uma
grande decepção. O manuscrito de seu romance de estreia havia chegado à
final do Japan Grand Prix Horror Novel, concurso literário voltado para a
ficção de terror, mas acabou preterido. Não era para menos. Embora
habituado a tramas assustadoras, o júri se alarmou com a história do
jogo macabro entre adolescentes de uma mesma turma escolar que,
confinados numa ilha, têm de matar uns aos outros até que reste apenas
um sobrevivente. Detalhe: o organizador da sangrenta disputa é o próprio
Estado japonês, imaginado pelo autor como uma totalitária República da
Grande Ásia Oriental. O livro, intitulado Battle Royale, só seria
lançado em 1999, espalhando um rastro de polêmica – vendeu mais de 1
milhão de exemplares e foi comentado no Japão inteiro.
A repercussão foi
tão intensa que apenas um ano depois já eram lançadas as adaptações da
história para o cinema e para os mangás – mais tarde, viriam sequências
tanto na tela grande como nos quadrinhos. O filme, que tem no elenco o
ator e cineasta cult Takeshi Kitano, chegou ao Brasil apenas em DVD,
enquanto a série em mangá completa foi publicada aqui entre 2006 e 2011.
Para alento de quem assistiu ao filme, acompanhou os mangás ou não fez
nada disso – mas adora ficção juvenil de primeira linha – a Globo Livros
finalmente preenche a última lacuna: com tradução direta do japonês,
assinada por Jefferson José Teixeira, o livro Battle Royale aporta nas
livrarias brasileiras na condição de um dos lançamentos mais aguardados
de 2014.
A ansiedade se explica pela duradoura permanência de Battle
Royale sob os holofotes. Em 2009, ninguém menos do que Quentin Tarantino
chegou a eleger o filme como o melhor que viu desde o início de sua
carreira de cineasta. Mais recentemente, com o sucesso do blockbuster
cinematográfico Jogos Vorazes, não faltaram leitores e espectadores do
mundo todo acusando a norte-americana Suzanne Collins, autora do livro
em que se baseou a produção de Hollywood, de ter plagiado a história de
Koushun Takami. Apesar de o ponto de partida ser exatamente o mesmo –
jovens obrigados a se matar entre si como parte de um jogo –, a
escritora alega que só veio a saber da existência da obra japonesa
quando o primeiro Jogos Vorazes já estava no prelo.
De sua parte,
Takami, cordialmente, declarou que não pretende processar Collins, por
acreditar que cada livro tem algo novo a oferecer. Independentemente
disso, a questão tomou conta da internet, com milhares de páginas de fãs
debatendo semelhanças e diferenças entre as obras. Um ponto comum entre
muitas das resenhas é o de que em Battle Royale o autor se aprofunda
com mais vigor no desenho psicológico dos numerosos personagens – a
turma de estudantes tem 42 pessoas –, trazendo à tona informações sobre a
história de cada um como forma de explicar seu comportamento e suas
reações diante dos perigos do jogo pela sobrevivência. Na batalha de
todos contra todos, há os que enlouquecem, os que se revoltam, os que
extravasam os piores instintos, os que buscam se alienar – e até os que
assumem com prazer a missão de eliminar pessoas que horas antes eram
colegas de classe.
Nesse ambiente, o fio do suspense se mantém esticado o
tempo todo: é possível confiar em alguém? Do que um ser humano é capaz
quando toda forma de violência passa a ser incentivada? A tarefa de
traduzir a esperada saga coube a Jefferson José Teixeira, carioca que
morou no Japão durante 11 anos. Especialista em caligrafia chinesa, atua
como tradutor desde a década de 1980, e exibe em seu currículo de
documentários a clássicos da literatura, como A Chave (Kagi), de
Junichiro Tanizaki, Miso Soup, de Ryu Murakam, Chuva Negra, de Masuji
Ibuse e Norwegian Woods, de Haruki Murakami.
@Gustavo Barberá - 22/12/2019.
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